Como tem sido
Olá.
Faz um tempinho que não apareço por aqui não?
Queria falar sobre isso também. Mas a real. O que me transbordou e me compeliu a vir aqui foi uma frase:
". . .Performam progressismo, afirmam suporte, ditam-se aliados. Só
querem te ver nua. Preparam o bote e esperam o momento certo para abocanhar:
buceta ou pica femininas, não há meio-termo. São predadores sexuais, honrando a
performance ao qual foram impostos desde crianças.
Já não tenho cabeça.
Melhorem..."
Eu não leio homens, de Lis Welch.
Mas... Já já voltaremos a dita frase.
Como tem sido.
Antes eu quero contar como tem sido esse gap do desemprego, já que nos textos anteriores eu estou poetizando uma dor inenarrável para mim mesma rs.
O ano era 2024 e eu estava como louca programando uma atualização que iria mexer com as estruturas do sistema que eu cuidava (Sim eu sou uma garota que programa em .NET). Atualização essa que já estava sendo desenvolvida a 8 braços desde 2023.
Eu tinha iniciado minha hormonização em Abril do mesmo ano. Tinha comunicado ao meu superior "a minha saída do armário corporativo", e fui bem recebida por ele nesse contexto.
Eu estava feliz de modo geral. Sempre fui empolgada com programação. E estava me sentindo realizada de finalmente depois de mais de 20 anos que eu me entendo como pessoa trans, poder ter tido a oportunidade de não precisar mais performar a masculinidade. Existiram outros empregos que quis poder fazer isso, mas com tantas pessoas que não hesitavam em demonstrar seu preconceito (até treta para eu poder tomar vacina na pandemia teve). Acabei abdicando disso para ter mais chances de continuar vivendo com um teto sobre a cabeça e alimento no dia a dia. Mas o dia chegou.
O dia que isso se tornou tão substancialmente insuportável que eu não tive como não me permitir. Talvez pelo fato de estar prestando serviço para a policia cientifica, tenha me dado uma dedução débil de que a justiça seria respeitada mais facilmente. Talvez pela estabilidade alcançada ao longo dos então 5 anos de casamento com o meu marido tenha me dado mais segurança contra a sensação de abandono. Doce ilusão.
Fui demitida depois de terem aprovado mais de 50 alterações na atualização na mesma semana que antecedia a entrega. Lembrando que era uma atualização que levou um ano para ser desenvolvida, e seria substancialmente alterada em 3 dias. Lembro de ter pedido 2 semanas pelo menos, para eu ter alguma chance de não quebrar tudo. Não preciso nem dizer que a atualização subiu cheia de problemas. Muitos já existentes e que ao fazer as alterações, foram mais evidenciados. Junto ao período entre Maio e Outubro, que eu não podia usar o banheiro. Fiquei com a pulga atras da orelha que apenas talvez não quisessem eu por ali rs. Há sim, tudo passou pelo QA, mas na sexta-feira após a subida do sistema que foi de terça para quarta, recebi meu desligamento sem justa e sem aviso.
Fiquei mal.
Essa foto foi tirada pelo meu marido um dia antes. Era umas 3 da manhã da dita sexta-feira (sim ninguém configura o radio relógio), e eu estava completamente exausta, largada na cadeira sem conseguir desligar a cabeça depois de mais de 20 horas trabalhando.
A forma como as coisa se deram me pegaram desprevenida. Depois eu descobri que me chamavam de "louco" e outras coisas mais. Eu estava tão focada na entrega e em arrumar o projeto que por um breve momento eu esqueci de algo que sempre esteve e está ali. O preconceito.
Fiquei mal no fim de semana inteiro, Se estalou dentro de mim um medo antigo. Que já tiveram varias formas e ecoam do trauma que deu seu inicio. O medo de não ser o suficiente. De ter acabado ali minha brilhante carreira de programadora. O eco do meu pai falando incontáveis vezes que eu nunca vou conseguir. Da tentativa de me assassinar. Das vezes que eu não vi mais possibilidade e por ajuda de amigas direta e indiretamente, que são minhas eternas estrelas, eu não ter tido sucesso nas tentativas de suicídio. Se depois de tudo que passei na vida, de viver na rua, de favor, e entre outras coisas terríveis de suportar na vida. Esse seria o meu declínio?
Esse medo se tornou maior depois do meu marido ser demitido na segunda-feira subsequente. Ele pelo menos, queria ser demitido a mais de 2 anos.
O fim do ano chegou, e com Janeiro esse medo começou a me comer pelas beiradas cognitivas com picos a lá montanha russa.
Fiz uma enxurrada de entrevistas. Algumas ficaram com seu "quem indica", mas a maioria reforçou esse medo com a resposta quase que automática depois de me candidatar a vaga no sentido de: "Talvez você não esteja no perfil da empresa." O fato é que eu continuo desempregada.
Foi quando então eu li esse texto, e essa frase me pegou em cheio. Em como ela contempla meu ranço quanto a situação que uma mulher trans sempre de alguma forma experimenta nesse pais. Em como o falocentrismo e a estrutura patriarcal capitalista tenta de todas as formas, quase sempre conseguindo, restringir o que podemos ser. O que podemos fazer. Como podemos existir. Mão de obra barata, sexualizada e calada.
Seguimos com medo.
Seguimos resistindo.
Mas o que vai ser daqui para frente?
Eu ainda não sei.
Mas não serei alivio sexual. Não ficarei calada. Nunca mais.
E se possível. Não passar fome nunca mais na vida.
(1).jpg)
Comentários
Postar um comentário